sexta-feira, 21 de novembro de 2008

3ª encontro de Formação Programa Além das Letras
Leitura em voz alta realizada pelo professor – finalidades

Objetivo: discutir com os formadores o que os alunos aprendem quando ouvem a leitura em voz alta realizada pelo professor.”
Conteúdo:- O que se aprende com a leitura pelo professor: linguagem escrita.

Leitura em voz alta feita pelo formador –
IMPORTANTE
Ler em voz alta exige preparação, ensaio e conhecimento minucioso do texto a ser lido. A adequação do tom de voz, o ritmo de leitura, a pronúncia das palavras e o envolvimento com o texto merecem destaque especial nessa atividade dedicada à Leitura em voz alta pelo formador. Portanto, a sugestão é que o Formador se prepare com antecedência, a fim de que sua leitura seja envolvente e convidativa. Ler diretamente do portador (livro, revista, jornal) também faz a diferença e permite que você socialize o livro, deixe que folheiem, anotem a referência, leiam pequenos trechos.


Indicação Literária
Textos para serem lidos em voz alta

Olá companheiros da Rede Além das Letras,

Em nosso último contato, tratamos da Leitura em voz alta como estratégia de formação para professores. Ainda pensando neste tema, acredito que uma das dificuldades que a grande maioria dos formadores enfrenta é a seleção de bons textos para este momento da pauta. Considerando isto, selecionei alguns títulos que tenho utilizado e os socializarei com vocês na intenção de ser uma ação disparadora da troca entre todos, que pertencemos à esta REDE de formadores.
A proposta é de que esta lista de indicações literárias circule e aumente, a fim de ser útil a todos. Procurei apresentar em alguns casos, além dos dados bibliográficos do livro, sugestões de capítulos e/ou trechos lidos/preferidos. É claro que estas sugestões foram pautadas em um critério pessoal e que com certeza outros trechos dos livros, podem e devem ser escolhidos...

Bem, então mãos à obra! Vamos fazer com que esta lista circule entre nós...

Acrescente a ela suas indicações e se possível as sugestões dos trechos que costumam ler, pois assim poderemos nos pautar nas recomendações uns dos outros e com isso ampliar o repertório literário dos professores com os quais trabalhamos...

Um abraço,
Rosinha Monsanto

Livro
Trecho/capítulo sugerido
1. Cem melhores contos brasileiros do século – Org. Ítalo Moriconi – Ed Objetiva

. “Conto de Verão n° 2 – Bandeira Branca- Luis Fernando Veríssimo
. “O homem nu” – Fernando Sabino
. “Felicidade Clandestina” – Clarice Lispector
. Baleia – Graciliano Ramos
. Feliz Ano Novo” – Ruben Fonseca
. O santo que não acreditava em Deus” – João Ubaldo Ribeiro

2. O doido da garrafa – Adriana Falcão – Ed. Planeta

. “O grande e o pequeno”
. “ Um dia de mãe”
. “Um dia de pai”
. “Mania de perseguição”
. “O doido da garrafa”

3. Asas da loucura – a extraordinária vida de Santos Dumont – Paul Hoffmann - Ed. Objetiva


. “Prólogo – Um jantar suspenso Champs Elysées, 1903” (do inicio até o final da página 11)
. “Capítulo 1 – A chegada, Minas Gerais, 1873”

4. O conselheiro come – João Ubaldo – Ed. Nova Fronteira
. “O conselheiro come - I”
. “O conselheiro come – II”
. “O conselheiro come – III”
. Grandeza e decadência da imortalidade!
. O verbo for”

5. A onda que se ergueu no mar – Ruy Castro – Companhia das Letras

. “Houve uma vez dois verões”
. “A trilha sonora de um país ideal”
. “É sal, é sol, é sul”

6. Com os pés atados - Kathryn Harrison - Ed Objetiva


. “A cadeira de enfaixar”
7. Budapeste - romance – Chico Buarque – Companhia das Letras

Trecho que explica o papel do escritor “por encomenda:
. (...) Preguiça eu não conhecia (...) - página 14
. (...)o versátil literato, baixava a cabeça e resmungava:deixa isso pra lá. (...) – página 17

8. O vendedor de estrelas - Contos – Olavo Drummond – Ed ARX


. “As peripécias de um defunto”
. “Namoro na TV”
. “O vendedor de estrelas”
9. “Antologia Poética” – Vinicius de Moraes – Cia das letras


10. Quase memória – quase romance- Carlos Heitor Cony – Cia das Letras

Leitura em duas partes do Capítulo 1:
. do inicio até o trecho (...) E o pai morrera, aos noventa e um anos, no dia 14de janeiro de 1985.(...) página 11.
. Página 11 (...) Agradeci a gentileza (...) até o final do capítulo.

11. Noites Tropicais – solos, improvisos e memórias musicais - Nelson Motta - Ed. Objetiva

. “Desde Woodstock...”
. “O grande amanhã – não teríamos eleições diretas”

12. Harém das bananeiras” – Carlos Heitor Cony – Ed. Objetiva
. “Grande cena dos tomates de Dona Balbina”
. “A casa mal assombrada”
. “A criança e o velho”
. Trem com moça e jovem de batina”

13. Minhas Mulheres e Meus Homens -Mário Prata – Editora Objetiva

. “Silvinha Buarque”
. Alberto Prata Júnior
14. Na Estrada do Anhanguera – uma visão regional da história paulista – Org. Carlos de Almeida Prado Bacellar e Lucila Reis Brioschi – EDUSP CERU


15. Contos Mínimos – Heloisa Seixas – Ed Record
. “Nunca mais”
. “Sintomas”
. “O boneco”
. “Um conto mínimo”

16. Quatro histórias de ladrão e mais 26 histórias – Paulo Mendes Campos - Ediouro
. “Uma senhora de Ipanema” (quatros histórias de ladrão)
. “O pombo enigmático”

17. Eu, Malika Oufkir, prisioneira do rei – Malika Oufkir e Michèle Fitoussi – Companhia das Letras
. “Sherazade”
. “O rei e eu”
18. Diário de um magro – Mário Prata – Ed. Globo
. “Nu”
. “Loucura”

19. Minhas tudo – incluindo sexo, drogas e rock and roll. E umas mulheres peladas. – Mario Prata – Ed. Objetiva
. “Letra”
. “Envelhescência”
. “Tese”

20. Princesa – a história real da vida das mulheres árabes por trás dos negros véus – Jean P. Sasson – Ed. Best Seller
. “Introdução”
21. Boa companhia – poesia – Vários autores – Companhia das Letras
. “um dia” – Arnaldo Antunes
. “A estrela” – Ferreira Gullar
. “A tartaruga” –Roberto Marinho de Azevedo

22. Lendas brasileiras – Câmara Cascudo – Ediouro
. “O negrinho do pastoreio”
. “A lenda da Iara”
. A morte de Zumbi”
. “Chico rei”
. “O sonho de Paraguassu”

23. Furacão Elis – Regina Echeverria – Ed. Globo
. “Prefácio à 3ª edição – O terceiro lado do disco” – Mônica Waldwogel

24. Exercício de ser criança – Manoel de Barros – Ed. Salamandra


. “O menino que carregava água na peneira”
25. “Uma noiva chique, chiquérrima, lindérrima...” Beatrice Masini e Anna Laura Cantone – Ed. Atica

. ler o texto em duas partes
26. Heróis e Guerreiros – Heloisa Prieto – Cia das letrinhas
. “As raposas da floresta”
27. “De carta em Carta” – Ana Maria Machado – Ed Salamandra


. ler o texto em duas partes
28. A professora de desenho e outras histórias – Marcelo Coelho – Companhia das Letrinhas

. “A professora de desenho”
29. Diário de Zlata . deZlata Filipóvic. Cia das Letras


30. Laila & Majnun. Jorge Zahar Editor. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro


31. Contos e lendas dos cavaleiros da Távola Redonda. Jacqueline Mirande. Cia das Letras.


32. Lendas e Mitos dos índios brasileiros. FTD


33. A menina que fez a América . Ilka Brunhile Laurito. FTD


34. A menina que descobriu o Brasil. Ilka Brunhile Laurito. FTD


35. Histórias da preta . Heloisa Pires Lima. Cia das letrinhas.


36. A guerra do fim do mundo. Mario Vargas Llosa. Cia das Letras


37. O Corcunda de Notre Dame. Victor Hugo. Cia das Letras.


38. A mulher que escreveu a Bíblia. Moacyr Scliar. Cia das Letras.


39. Contos fliminenses. Machado de Assis. L&PM Pocket.


40. República dos Argonautas . Anna Flora. Cia das Letras.


41. Olga. Fernando Morais. Cia das Letras


42. Robin Hood. Neil Philip. Cia das letras.


43. Os navegantes . Robert Sneidden. Cia das Letras.


44. O diário de Anne Frank – Ed. Record


45. Agosto - Rubem Fonseca. Cia das Letras.


46. Retratos ingleses. Charles Dickens. Ediouro.


47. A casa dos espíritos. Isabel Allende. Editora Bertrand Brasil


48. Memórias do Cárcere. Graciliano Ramos. Ed. Record


49. Viagem ao céu. Monteiro Lobato. Editora Brasiliense


50. História das invenções . Monteiro Lobato. Editora Brasiliense.


51. Viagem ao centro da Terra. Júlio Verne.


52. A volta ao mundo em oitenta dias. Júlio Verne. Cia das Letras.


53. O mensageiro das estrelas. Peter Sís. Cia das Letras.


54. Cem dias entre o céu e o mar. Amyr Klink. Cia das Letras.


55. As cidades invisíveis. Ítalo Calvino. Cia da Letras.

56. Na Patagônia. Bruce Chatwin. Cia das Letras.


57. Infância. Graciliano Ramos. Ed. Record


TEXTOS COMPLEMENTARES PARA ESTUDO DO FORMADOR

TEXTO 1

Olá, querido leitor[1]

Neste momento desta sexta-feira estou embaixo de uma enorme árvore florida, sentada em uma confortável pedra ao ar livre, situada no Vale do Pavão. São exatamente 10 horas da manhã e o céu sorri com um azul limpinho e compartilha com o sol seus raios brilhantes que me aquecem e me inspiram a relembrar de alguns fatos da minha infância, sobre os quais escreverei.

Peço que segure a curiosidade, porque me dei conta de que ainda não me apresentei a você. Então, é pra já: meu nome é Daniela (mais conhecida como Dani) e sou professora alfabetizadora. Atualmente leciono na turma de nível II (1ª série), que é minha desde o ano passado (quando eu trabalhava com CA – Classe de Alfabetização), ou seja, tenho o privilégio de acompanhar os mesmo alunos há dois anos.

Agora, sim, volto ao assunto “lembranças da minha infância”.

Recordo-me que eu era pequena, acho que devia ter mais ou menos 5 anos, e que minha mãe às vezes atendia à porta e uma felicidade me invadia. Era sempre de tarde, quando os vendedores de livros apareciam e ela os convidava a entrar e os tratava muito bem. Eu ficava olhando aqueles homens de longe. Eles entravam com caixas e mais caixas que eram colocadas no chão. Aos poucos, as caixas iam se abrindo e à minha mãe iam sendo apresentados os livros. Ela animada, conversava com os vendedores e, ao final de tudo, assinava um papel e duas caixas de livros ficavam em nossa casa. Depois que os vendedores iam embora, minha mãe me chamava e me mostrava as caixas, enquanto dizia:

“Daniela, olha isso aqui. Estes livros a mãe comprou para você. Quando você quiser ou na hora em que for dormir, a mãe lê para você. Agora pode abrir e olhar os livros. Só não pode desenhar ou rabiscar.”

Que alegria era aquele momento de abrir as caixas junto com minha mãe. O sorriso só não passava do rosto porque não dava para ir além. Eu ficava horas folheando até o momento mais especial: a leitura das histórias. Um pouco antes do horário de dormir, minha mãe me colocava para deitar, me cobria, punha uma cadeira perto da cama, se sentava ao meu lado e começava a ler para mim as histórias de uma das bonitas coleções que eu ganhara. E, de vez em quando, ela dava uma olhadinha para o meu rosto para ver se eu já estava dormindo. Mas eu não era boba, ficava de olhos bem abertos e atentos para escutar o que ia acontecer. Só pegava no sono quando ela terminava.

Escrevendo agora sobre isso, me dei conta de que os livros daquela coleção não tinham imagens. Assim, ao ouvir a leitura que minha mãe fazia, eu ficava imaginando os personagens, os cenários, as roupas. Era tão divertido! Boas noites foram aquelas em que várias histórias vinham me visitar através da figura da minha mãe.

Apesar de gostar de todas as histórias que ela lia, lógico que tinha uma que era mais encantadora: João e Maria. Com ela meus olhos brilhavam e minha imaginação criava asas. Pensava em João e Maria bem arrumadinhos. Ele vestido de camisa branca de botão e bermudinha até o joelho com suspensório. Já Maria eu imaginava com um vestidinho de manga comprida, com sainha de prega, meias brancas dobradas e botinhas de cano curto. E a casinha então? Ai, aquela casinha era parecida com a casa da minha avó. Tinha fogão a lenha na cozinha, mesa e cadeiras limpinhas, tudo arrumado em seu lugar. E João e Maria foram prisioneiros nessa casinha... Só que minha avó não estava. Quem aparecia era uma velha feiticeira vestida com uma capa preta que tinha capuz que quase lhe tapava o rosto. Eu via João e Maria comendo todos os docinhos, chocolates, balas e pirulitos que eu conhecia de festas de aniversário.

Já que falei em minha avó, quero dizer que ela também contava histórias para mim. Só não lia porque era cega, mas isso não a impedia de contar de uma forma que me fazia sentir todas as emoções. O ritual de ouvir histórias contadas pela minha avó era um pouco diferente do ritual da minha mãe. Primeiro ela sentava na cama, depois penteava os longos cabelos grisalhos e só aí me colocava na cama para deitar. Então eu fazia a pergunta:

“Vó, a senhora pode contar aquela história de João e Maria?”

A resposta era sempre afirmativa, e nós duas deitávamos. Ela fechava os olhos, se concentrava e começava a contar. Sou capaz de escutá-la nesse exato momento:

“Em uma casinha branca bem longe, lá no alto do morro onde o vento cantava fazendo barulho na janela (uuuuuuuu), moravam João e Maria, o pai e a madrasta...”

Só havia um problema com a minha avó: cada vez que contava tinha de ser igual porque se ela mudasse alguma coisa eu logo interrompia:

“A senhora não falou esta parte deste jeito na outra vez que contou.”

Acho que agora, querida professora, deu para você perceber que recordações escolhi para dividir com você e, mais do que isso, o principal assunto desta carta: a importância da leitura que realizamos para os nosso alunos.

Quando minha mãe lia para mim, ela era uma leitora que colocava seus gestos, sua arte, seu prazer e, acima de tudo, sua responsabilidade. Que responsabilidade? A de me fazer amar os livros.

E vovó também. Apesar de não poder ler, ela já havia ouvido leitores entusiasmados falando com vozes hesitantes, surpresas, ameaçadoras, gentis. Soube guardar tudo na memória para me oferecer como herança.

Hoje em dia, lendo um livro chamado Uma história da leitura, de Alberto Manguel, percebo muitas identificações entre minha mãe, minha avó e todos os leitores apaixonados que o livro apresenta. Um exemplo disso é uma foto do escritor Jorge Luís Borges: no final de sua vida, já cego, ele fechou os olhos para ouvir um texto que estava sendo declamado. Impossível não lembrar de minha avó, também cega, fechando os olhos para, talvez como ele, enxergar as palavras por dentro.

Fico agora pensando em você que me lê. Você teve alguém que leu para você e com isso povoou sua vida com histórias? Tomara que sim.

Entendo que a leitura é um dos jeitos mais prazerosos de adquirir conhecimento, já que ela possibilita uma intimidade com as idéias e uma liberdade de construção de sentidos. Está tudo à disposição do leitor para ser lido, relido. O leitor pode escolher temas que lhe parecem mais interessantes, pode decidir em que partes interromper ou para quais partes voltar com o objetivo de se deliciar ou de buscar maior entendimento. Assim, a leitura foi sempre me ensinando a pensar, a conhecer pessoas diferentes (refiro-me tanto aos autores quanto aos personagens) e a interagir com ela de maneiras diversas.

Na sala de aula, o mais importante é garantir o interesse e o entusiasmo dos alunos, para que seja possível construir com eles, aos poucos, a escuta atenta e compreensiva dos textos – narrativos, informativos, poéticos etc. Para isso, devemos ter cuidado tanto com a regularidade quanto com a qualidade da leitura. Essa é uma descoberta recente para mim, já que não iniciei minha vida profissional sabendo disso. Hoje, por exemplo, leio todos os dias para os alunos e procuro, além de ensaiar a leitura em casa, escolher bons textos, sejam eles literários, de autores interessantes, ou informativos. Mas, nas atividades de leitura que realizava em minha sala de aula, até há pouco tempo não tomava tantos cuidados.


De que forma eu tratava a leitura?

Escolhia livros curtos, com textos resumidos ou simplificados e com muitas figuras grandes e bem coloridas, porque imaginava que as crianças não se interessariam por histórias longas (achava que poderiam se cansar e que, na verdade, gostavam mais das ilustrações mesmo). É uma pena o quanto, muitas vezes, os professores se esquecem de que um dia também foram crianças. Por que digo isso?

Porque comecei essa carta contando que eu mesma adorava João e Maria e que a versão que me era lida nem figuras tinha.

Com relação ao conteúdo do texto, era comum escolher livros que contivessem lições de moral para chamar a atenção dos alunos em função de alguma atitude deles com a qual eu não estivesse de acordo. Penso agora: com tantas histórias lindas no mundo, que chato deve ter sido escutar “sermões”.

Quanto ao tempo dedicado à leitura, não havia regularidade na rotina. A leitura entrava para preencher um espaço vago ou para acalmar os alunos. E depois eu reclamava que as crianças não tinham postura de ouvintes...

Mesmo não escolhendo textos mais complexos, às vezes apareciam palavras difíceis. O que eu fazia então. Não as lia. Trocava por sinônimos ou explicava da minha maneira, sem utilizar as palavras do autor. Com isso imaginava facilitar a imaginação deles. O que eu não sabia era que os estava impedindo de fazer o que os leitores verdadeiros fazem – procurar entender pelo contexto ou, se for uma palavra realmente importante que não dê para compreender pelo contexto, buscar um dicionário.

Para finalizar, após as leituras, em vez de conversar com os alunos (trocando idéias, sentimentos, opiniões, dúvidas que o texto gerou, ou até mesmo estabelecendo relações com outros textos), tomava a leitura para ver se eles realmente haviam prestado atenção. Perdi com isso a chance de ouvir comentários maravilhosos que as crianças sabem fazer.

Hoje sei que posso apresentar tudo – contos, notícias, cartas, regulamentos, gibis, receitas, bulas, enciclopédias, biografias, cartazes, panfletos etc. -, desde que selecione e leia de acordo com finalidades reais. Na vida, como na escola, pode-se ler para: se informar, se entreter, se emocionar, fugir da realidade (que para algumas crianças às vezes é muito difícil), encontrar dados, seguir instruções, compreender melhor algum aspecto do mundo, buscar argumentos para defender ou rebater idéias, conhecer modos de vida distintos, identificar-se com autores e personagens, conhecer outras histórias, descobrir novas formas de se utilizar a linguagem para criar novos sentidos – e assim por diante.

Também pude perceber que não existe idade exata para o aprendizado da leitura. O professor pode ser um modelo leitor para as crianças, jovens e adultos, desde que garanta as condições necessárias para que o aluno veja sentido no quê, no como, no porquê e no para quê está lendo. Meus alunos pequenos, hoje em dia, ao apresentarem uma leitura para os colegas (leitura que pode ou não ser convencional), sempre se preparam antes. Percebo, que ao ler, eles se mostram interessados e atentos ao ritmo, à entonação, ao conteúdo do texto, ou seja, procuram repetir um modelo que lhes é conhecido e com isso também garantem a atenção dos ouvintes.

Mas, querido leitor, a transformação da minha concepção sobre leitura não aconteceu do dia para noite, nem foi sem resistência e alguns conflitos. Os e-mails que recebi em 2002 (formação na modalidade a distância), as visitas e supervisões das minhas formadoras, as reuniões de estudo, as leituras que me foram indicadas, os e-mails que tive de escrever, as orientações para as atividades em sala de aula etc..., me fizeram ampliar as idéias que tinha sobre leitura e também recuperar o significado que isso teve para mim na infância. Tive de refletir sobre minha prática e, assim, encontrar caminhos para trabalhar a minha leitura em sala de aula de um modo mais satisfatório e significativo para mim e, principalmente para meus alunos. E esse não é um processo terminado. Aliás, esse processo não termina nunca!!


TEXTO 2


Aprender a linguagem que se escreve

Equipe pedagógica do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores

Ao lidar com a língua escrita, seja lendo ou escrevendo, toma-se
consciência de duas coisas simultaneamente: do mundo e da linguagem.
A língua serve exatamente para isso: para o discurso sobre o mundo.
David R. Olson[2]

Quando nos referimos a situações de aprendizagem cujo conteúdo é a linguagem que se escreve, estamos falando de situações nas quais os alunos possam não só perceber que o texto escrito tem características particulares, que o diferenciam do texto oral, como também produzir textos usando a linguagem escrita. Mesmo os alunos que ainda não sabem ler nem escrever. Portanto, nosso desafio é pensar em quais seriam as melhores situações para que isso aconteça.

O papel da leitura no desenvolvimento da capacidade de produzir textos

Como podem as crianças desenvolver a idéia de que a linguagem
falada e escrita não são a mesma coisa? Só pode haver uma resposta:
escutando linguagem escrita lida em voz alta.
Frank Smith[3]

A leitura tem um papel fundamental no desenvolvimento da capacidade de produzir textos escritos, pois por meio dela os alunos entram em contato com toda a riqueza e a complexidade da linguagem escrita. É também a leitura que contribui para ampliar a visão de mundo, estimular o desejo de outras leituras, exercitar a fantasia e a imaginação, compreender o funcionamento comunicativo da escrita, compreender a relação entre a fala e a escrita, desenvolver estratégias de leitura, ampliar a familiaridade com os textos, ampliar o repertório textual e de conteúdos para a produção dos próprios textos, conhecer as especificidades dos diferentes tipos de texto, favorecer a aprendizagem das convenções da escrita… só para citar algumas possibilidades.
A leitura compartilhada tem sido uma das estratégias mais eficientes para aproximar os alunos do mundo letrado, mesmo quando ainda não sabem ler. E a experiência tem mostrado que essa prática – muito importante para o desenvolvimento da capacidade de produzir textos – pode ser facilmente incorporada à rotina diária do professor, qualquer que seja a idade e a condição social dos alunos.
Quando os alunos ainda não sabem ler, é o professor quem realiza as leituras, emprestando sua voz ao texto. Enquanto escutam leituras de contos, histórias, poemas etc. os alunos se iniciam como “leitores” de textos literários. Mas é preciso nunca esquecer que ler é diferente de contar. Ao ler uma história o professor deve fazê-lo sem simplificá-la, sem substituir termos que considera difíceis. Não é porque a linguagem é mais elaborada que o texto se torna incompreensível. É justamente o contato com a linguagem escrita como ela é que vai fazendo com que ela se torne mais acessível.
Ao escolher o livro, é importante que o professor considere a faixa etária de seu grupo e avalie a qualidade literária da obra – ou seja, se apresenta uma história envolvente, provida de nó dramático, de vocabulário complexo, de dilemas, conflitos, de encantamento, humor, surpresas, enfim, provida dos elementos que há milhares de anos prendem a atenção dos ouvintes ou leitores. Da mesma forma, é interessante evitar os livros que apresentam histórias moralizantes, com tramas insípidas, com vocabulário simplificado, reduzido. Esses livros não ajudam os alunos a estabelecer uma relação mais profunda com a literatura, não permitem que eles apreciem uma narrativa complexa e vivenciem as surpresas da linguagem metafórica, enfim, eles não convocam, não apaixonam.

Os recontos e as reescritas

É ouvindo contos que os alunos vão desde muito cedo se apropriando da estrutura da narrativa, das regras que organizam esse tipo particular de discurso. E é esse conhecimento que lhes possibilita compreender outras narrativas, recontá-las e reescrevê-las.
A reescrita é uma atividade de produção textual com apoio,[4] é a escrita de uma história cujo enredo é conhecido e cuja referência é um texto escrito. Quando os alunos aprendem o enredo, junto vem também a forma, a linguagem que se usa para escrever, diferente da que se usa para falar. A reescrita é a produção de mais uma versão,[5] e não a reprodução idêntica. Não é condição para uma atividade de reescrita – e nem é desejável – que o aluno memorize o texto. Para reescrever não é necessário decorar: o que queremos desenvolver não é a memória mas a capacidade de produzir um texto em linguagem escrita. O conto tradicional funciona como uma espécie de matriz para a escrita de narrativas. Ao realizar um reconto, os alunos recuperam os acontecimentos da narrativa, utilizando, freqüentemente, elementos da linguagem que se usa para escrever. O mesmo acontece com as reescritas, pois ao reescrever uma história, um conto, os alunos precisam coordenar uma série de tarefas: eles precisam recuperar os acontecimentos, utilizar a linguagem que se escreve, organizar junto com os colegas o que querem escrever, controlar o que já foi escrito e o que falta escrever. Ao realizar essas tarefas os alunos estarão aprendendo sobre o processo de composição de um texto escrito.

Os gêneros…

O conhecimento da linguagem que se escreve não se constitui só de narrativas. Os textos que existem no mundo têm diferentes formas, pertencem a diferentes gêneros que se constituem a partir do uso, e também é por meio do uso que são aprendidos.
Muito antes de saber ler e escrever convencionalmente, as crianças são capazes de reconhecer diferentes organizações discursivas: por exemplo, jamais confundiriam um conto com uma carta. Mas, para isso, é necessária a experiência com textos escritos. O que só é possível se alguém ler para elas. É a partir dessas leituras que os alunos vão se familiarizando com os diferentes gêneros, mesmo sem saber descrevê-los ou defini-los. Não há dificuldade em diferenciar um conto de fadas de uma carta, um bilhete ou uma receita. Isso é simples, tanto para os alunos que já aprenderam a ler como para os alunos que ainda não compreenderam o funcionamento do sistema de escrita. Para ditar uma carta, ou um conto, o conhecimento necessário é sobre as características formais desse gênero, independente de aquele que dita estar ou não alfabetizado.


Falando de alguns deles…[6]

Um portador de grande variedade de textos com diferentes graus de complexidade é o jornal. Apesar de ser produzido para a leitura adulta, é um excelente material para aprender a ler, porque, entre outras coisas, tem o poder de trazer o mundo e os textos sobre o mundo para dentro da escola, além de ser um material barato e de fácil acesso.
Os bilhetes, por exemplo, são textos muito usados na vida social. Na vida escolar não é diferente. A escrita de bilhetes é uma prática recorrente nas salas de aula; são utilizados para trocar informações entre professores, entre classes, entre professores e pais, e também podem ser articulados com a produção de texto ficcional, como fez a professora Márcia quando propôs que os alunos escrevessem um bilhete para o personagem Renato, do livro As bruxas, avisando que a bruxa estava por perto.
Vimos também, na classe da professora Clélia, um grupo de crianças escrevendo as regras para a brincadeira pula-elástico: um texto instrucional. Esse tipo de texto, que tem como característica orientar as ações do leitor, é muito utilizado na vida cotidiana: para cozinhar seguindo uma receita, para montar um móvel, para manusear eletrodomésticos, para aprender um jogo etc.
A compreensão atual da relação entre a aquisição das capacidades de redigir e de grafar rompe com a crença arraigada de que o domínio do bê-á-bá seja pré-requisito para o início do ensino da língua escrita, e nos mostra que esses dois processos de aprendizagem podem e devem ocorrer de forma simultânea. É que eles dizem respeito à aprendizagem de conhecimentos de naturezas distintas. A capacidade de grafar depende da compreensão do funcionamento do sistema de escrita, que em português é alfabético. Já a capacidade de redigir depende da possibilidade de dispor de um repertório de textos conhecidos, de referências intertextuais,[7] e se refere à aprendizagem da linguagem que se usa para escrever. É importante que o professor tenha claro que tão importante quanto aprender a escrever/grafar é aprender a escrever/redigir, isto é, aprender a produzir textos. E, para isso, é preciso aprender este outro tipo de linguagem: a linguagem escrita.

[1] Cedac – Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária -, E-mails pedagógicos. – São Paulo, 2004, pág 109 a 111.
[2] O mundo no papel. São Paulo, Ática, 1997.

[3] Leitura significativa . Porto Alegre, Artmed, 1999.

[4] Ver Parâmetros Curriculares Nacionais (1º e 2º ciclos) Língua Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1997, p. 74.

4 Os contos tradicionais, por exemplo, costumam ter várias versões.

[6] Os gêneros são mais detalhadamente explicados no texto “Linguagem, atividade discursiva e textualidade”. Parâmetros
Curriculares Nacionais (1º e 2º ciclos) Língua Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1997, pp. 23-27.

[7] Ver Parâmetros Curriculares Nacionais (1º e 2º ciclos) Língua Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1997, p. 26.

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